..( Série Entrevistas Técnicas ).. VETIVER, BIOENGENHARIA PARA O MEIO AMBIENTE

Entrevistado:  Engenheiro  Paulo  R.  Rogério  (  Pomerode – SC  )

Entrevista  Realizada  em  03/02/2016  

Assunto:  Sistema  Vetiver  Bioengenharia Para O Meio Ambiente

 

Poenarco  Portal  da  Engenharia, Arquitetura  e  Construção,  prosseguindo  com  seu  propósito  de  disseminar  informações  para  o  vasto  universo  tecnológico  e  construtivo,  apresenta  a  entrevista  com  o  Engº  Paulo  R.  Rogério,  engenheiro  civil  e  geotécnico,  MSc  em  Engenharia  na  University  of  California  at  Los  Angeles  e  PE  ( Professional  Engineer  )  licenciado  nos  Estados  de  Washington,  Oregon,  California  e  Colorado,  E.U.A.

Traduziu  para  o  Brasil com o Geólogo e Dr. em Engenharia Civil  Juarês José Aumond   o livro  de  autoria  de Lynn M. Highland ( Serviço  Geológico  dos  Estados  Unidos  )  e  Peter  Bobrowsky  (  Serviço  Geológico  do  Canadá  )  “O  Manual  de  Deslizamento  –  Um  Guia  para  Compreensão  de  Deslizamentos”,  publicado  por  USGS  Science for a Changing World,  GFDRR Global Facility for Disaster Reduction and Recovery,  Geological Survey  –  Commission Géologique  com  apoio  do  The World Bank.

Divulga  no  Brasil  o  Sistema  Vetiver,  especialmente  indicado  na  engenharia,  arquitetura  e  construção  para  várias  soluções  com  custo  reduzido  e  eficácia  em  seu  resultado  final,  como  estabilização  de  taludes,  controle  de  deslizamentos  em  encostas,  prevenção  ou recuperação  em  áreas  afetadas  por  voçorocas,  combate a erosão,  etc.,  assim  como  atua  como  Consultor  para  projetos  e  soluções  geotécnicas.

Mantém  intercâmbio  sobre  o  Sistema  Vetiver  com  o  cientista  Paul Truong,  que  atualmente  vive  na  Austrália,  onde  iniciou  pesquisas  e  trabalhos  com  a  Vetiver  e  nos  últimos  anos  se  dedica  a  disseminar  e  divulgar  o  sistema  pelo  mundo.  Esteve no Brasil ministrando  cursos a  convite  do   Engº Paulo Rogério,  em  evento  que  contou  com  apoio  do  DNIT,  Embrapa,  Univale,  entre  outros.

Poenarco:  O  que  é  o  Sistema  Vetiver  (SV) ?

Eng. Paulo Rogério:  É  uma  tecnologia  verde,  desenvolvida  na  década  de  1980  utilizando-se  do  Capím  Vetiver,  uma  espécie  de  gramínea  perene  que  apresenta  características  eco-fisiológicas  únicas  no  mundo,  sendo  portanto  um  sistema  ideal  para  emprego  pela  Bio-Engenharia  junto  ao  meio  ambiente.  O  Vetiver  possui  raízes  densas, profundas  e  resistentes,  apresentando  uma  resistência  a  uma  força  de  tração  equivalente  a  1/6  do  aço  doce,  ou  seja,  poderíamos  afirmar  que  seis  raízes  com  o  diâmetro  de  um  arame  teriam  a  mesma  resistência  que  o  arame  de  aço  à  tensão.

Poenarco:  A  utilização  do  Vetiver  pode  ser  empregada  em  quais  necessidades?

Eng. Paulo Rogério:  O  Vetiver  pode  ser  utilizado  em  terrenos  com  propensão  à  erosão  e,  inclusive,  em  terrenos  onde  o  processo  erosivo  já  tenha  se  instalado,  qualquer  que  seja  seu estágio  de  evolução.  Ravinas  de  grandes  dimenções  têm  sido  estabilizadas  com  êxito.  Centenas  de  milhares  de  quilômetros  de  estradas  foram  plantados  em  todo  o  mundo,  tanto  em  taludes,  como  na  interface  solo-concreto  das  calhas.  O  Vetiver  é  associado  a  gabiões  como  ancoragem  de  “tirantes  vivos”.  Em  represas  e  diques  se  usa  para  reforçar  a  estrutura  mecânica  do  solo  ( resistência ao cisalhamento do solo ); também  é  utilizado  como  filtro  de  sedimentos.  Na  margem  de  rios  se  usa  para  evitar  a  queda  de  taludes  fluviais  ou  para  dissipar  a  energia  da  água  em  áreas  críticas.  Da  mesma  forma,  é  utilizado  para  proteger  pontes  e  drenos.  Em  bacias  hidrográficas  se  utiliza  para  sua  recuperação,  para  alimentar  aquíferos  e  para  garantir  o  desenvolvimento  de  árvores.  Na  agricultura  se  utiliza  para  diminuir  a  perda  do  horizonte  orgânico  do  solo,  reter  a  água  da  chuva,  aumentar  a  produtividade  e  no  controle  de  agroquímicos.  Suas  raízes  e  folhagens  são  utilizadas  na  medicina  natural  e  na  aromaterapia.  Também  é  utilizado  na  confecção  de  artesanato  fino,  telhados  para  moradias  rurais,  camas  para  animais,  etc.

Poenarco:  Um  dos  maiores  problemas  que  temos  no  Brasilmais  precisamente  na  engenharia  rodoviária  e  ferroviária,  são  os  deslizamentos  em  taludes,  encostas  e  despenhadeiros  e  o  empenho  para  estabilização  dos  mesmos,  quando  em  colapsos.  Qual  a  eficácia  do  emprego  da  Vetiver  nestes  casos  específicos?

Eng. Paulo Rogério:  O  emprego  do  Vetiver  nesses  casos,  formará  uma  barreira  antierosiva,  que  é  uma  estrutura  que  retém,  regula  ou  reduz  a  passagem  de  água  por  um  terreno,  controlando  assim  a  ocorrência  de  erosão,  em  qualquer  uma  de  suas  formas.  Engenheiros  e  especialistas  tem  aplicado  diversos  métodos  através  dos  anos  para  combater  a  erosão,  com  resultados  diversos:  gabiões,  canais,  muros  atirantados,  diques,  hidrossemeaduras  e  feixes  de  material  vegetal,  entre  outros.  O  Vetiver  tem  sido  utilizado  na  Ásia  por  mais  de  dois  séculos  para  a  formação  de  barreiras  vivas  na  proteção  de  cultivos.  Na  Bioengenharia  foi  utilizado  pela  primeira  vez  em  1908  para  a  proteção  de  um  talude  em  uma  estrada  da  Malásia.

A estabilidade de taludes, seja em corte ou aterro, naturais ou não naturais depende de vários  fatores:  tipo  de  solo  ou  rocha,  sua  resistência,  geometria  do  talude  (  altura,  ângulo  de  inclinação  ),  clima,  vegetação,  etc.  Cada  um  desses  fatores  podem  atuar  significativamente  no  controle  das  forças  atuantes  ou  resistentes.

Poenarco:  E  como  se  processa  a  estabilização  do  talude,  encosta  ou  despenhadeiro?

Eng. Paulo Rogério:  Apesar de ser  botanicamente  uma  grama,  as  plantas  Vetiver  usadas  nas  aplicações  com  a  finalidade  de  estabilização,  por  exemplo,  de  taludes  se  comportam  como  árvores  ou  arbustos  de  rápido  crescimento.  São  gramas,  mas  com  raízes  que  se  parecem  com  árvores  ou  arbustos.  O  sistema  de  raízes  maciço  e  profundo  bem  estruturado  pode  aprofundar  até  dois  (2)  ou  três  (3)  metros  no  primeiro  ano,  funcionando  como  um  grampo  natural  no  solo,  de  modo  que  dificilmente  o  solo  movimentará  fora  de  seu  lugar,  e  ainda  é  uma  planta  bem  tolerante  à  seca.  É  tão  forte  ou  ainda  mais  forte  do  que  as  espécies  de  madeira  dura  (  madeira  de  lei  ),  as  raízes  Vetiver  tem  alta  resistência  a  tração  e  por  isso  mesmo  tem  sido  empregada  positivamente  como  reforço  natural  em  taludes  íngremes,  mas  funciona  igualmente  nos  taludes  rasos.  Tem  sua  resistência  à  tração  de  valor  75 Mega Pascal (Mpa),   765Kg/cm2,  ou  750 bars,  o  que  equivale  a  1/6  da  resistência  a  tração  de  um  aço  comum.  Apresenta  também  um  incremento  de  resistência  de  39%  a  uma  profundidade  de  0,5 metros.  O  Aço  CA 50,  utilizado  na  construção  civil  tem  sua  resistência  a  tração  da  ordem  de  5000Kg/cm2  (limite de escoamento).

Poenarco:  Quem  trabalha  em  estradas  sabe  que  ocorrências  de  chuvas  são  sempre  possibilidades  de  eventuais  saturamento  de  solos  instáveis  e  possíveis  colapsos  de  encostas  e  taludes,  com  deslizamentos,  quedas  de  barreiras,  etc.  Como  o  Sistema  Vetiver  se  comporta  diante  dessas  eventualidades?

Eng. Paulo Rogério:  O  Sistema  Vetiver  forma  uma  densa  sebe  ( barreira )  quando  plantada  bem  próxima  uma  da  outra  (  uma  regra  prática  é  de  seis  mudas  por  metro  linear  ),  causando  com  isso  uma  redução  da  velocidade  da  água,  diminuindo  a  amplitude  bem  como  o  escoamento  da  água  da  chuva.  Ela  cria  barreiras  eficientes  que  controlam  a  erosão  e  segura  nas  folhas  dessas  barreiras  os  finos,  melhor  do  que  as  barreiras  de  plástico  para  coleta  de  finos  ( silt barrier  )

Poenarco:  Uma  técnica  utilizada  pela  Dersa  Desenvolvimento  Rodoviário  S.A.  para  contenção  de  taludes  na  construção  da  pista  ascendente  da  Rodovia  dos  Imigrantes,  na  década  de  70,    foi  o  emprego  de  Estacas-Raiz  ( Pali Rádice ),  com  comprimento  de  quinze (15)  metros  a  partir  de  vigas  de  concreto,  dispostas  ortogonalmente  ao  eixo  da  rodovia  e  distantes  cinco (5) metros  uma  da  outra, consolidando  os  taludes  em  terrenos  soltos  (  normalmente  argilosos  e  saturados ),  tendo  os  retículos  o  objetivo  de  resistência  ao  empuxo  à  montante  e  a  não  interceptação  do  livre  fluxo  descendente  das  águas.  Podemos  afirmar  que  o  Sistema  Vetiver  teria  eficácia  semelhante,  ou  seria  melhor  no  contexto  geral  pela  eficácia  similar,  baixo  custo,  inexistência  de  impacto  ambiental,  etc.?  Anexamos  duas  ilustrações  para  melhor  compreensão  dos  leitores.

CONSOLIDAÇÃO  DE  TALUDE  UTILIZANDO-SE  O  SISTEMA  DE  ESTACA  RAIZ  (  PALI  RADICE  )

CONSOLIDAÇÃO  DE  TALUDE  UTILIZANDO-SE  DO  SISTEMA  VETIVER

Eng. Paulo RogérioO esquema acima é somente uma ilustração porque aí teria de se prever as distancias entre as fileiras de vetiver colocadas no talude bem como as mesmas dispostas horizontalmente sendo a regra 6 mudas a cada metro .(distância de aproximadamente 15 cm uma da outra) na mesma fileira.  As raízes do Vetiver funcionam no mesmo princípio da estaca raiz, que é o de melhorar o solo existente, ou seja, o solo não será mais o mesmo, e sim reforçadas as propriedades desse solo em termos de coesão e ângulo de atrito, que aumentam.  A experiência mostra que o aumento é de 30% a 40% na resistência ao cisalhamento (essa resistência é mostrada justamente pelos valores maiores de coesão e ângulo de atrito ).  Também  é  a  resistência  ao  cisalhamento  do  solo  que  faz  um  talude  deslizar  ou  ser  estável.  Quanto  maior  essa  resistência,  mais  estável será.  A única diferença talvez seja que o uso da Vetiver exije plantar mais perto uma da outra do que a estaca raiz.  Por isso que normalmente se planta uma muda a cada 15cm para que se tenha 6 por metro linear.  Também é importante colocar a fileira a cada 1 ou 2 metros uma da outra, no sentido  horizontal.

Poenarco:  Outro  problema  recorrente  em  estradas  são  os  incêndios  em  suas  faixas de domínio,  que  normalmente  destroem  as  áreas  verdes.  Segundo  o  site  Portal de Rodovias do Brasil (www.estradas.com.br),  nas  rodovias  paulistas  em  2011  foram  registradas  6668  ocorrências  de  incêndios,  em  2012  um  pouco  menos,  5389,  mas  são  números  elevadíssimos,  sendo que uma das principais causas dessas ocorrências são os lançamentos de “bitucas” de cigarros pelas janelas dos veículos.  A vegetação seca vira combustível fácil.  O que se vê após o sinistro, são áreas com a vegetação dizimada, favorecendo  a  posterior  condição  de  fragilidade  do  solo.  No  caso  do  Vetiver,  quais  as  vantagens  quanto  a  essas  ocorrências?

Eng. Paulo Rogério:  O  Vetiver  é  extremamente  resistente  à  estresses  provocados  por  incêndios,  apresentando  uma  extraordinária  recuperação  após  o  impacto  causado.  Nas  fotos  abaixo  podemos  observar  o  Capim  Vetiver  plantado  na  margem  da  estrada  e  que  após  ocorrência  de  incêndio  queimando  suas  sebes,  dois  meses  depois  já  se  apresentavam  perfeitamente  recuperados.  Caso o plantio tivesse sido executado também no talude,  dois  meses  após  com certeza  a  vegetação  já  estaria  se  apresentando  recuperada.

 

(  Fotos  de  publicação  da  Rede  Internacional  de  Vetiver  –  2ª  Edição  –  2008  )

Poenarco:  Verificamos  que  o  uso  do  Sistema  Vetiver  é  recomendado  por  órgãos  internacionais  como  a  ONU,  Conselho de Pesquisa dos EUA  e  órgãos  nacionais  como  Embrapa  Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária,  DNIT  Departamento  de  Infra-estrutura  de  Transportes,  entre  outros.  Podemos  considerar  que  há  um  campo promissor  para  o  emprego  do  Vetiver,  principalmente  por  ser  o  Brasil  um  país  de  dimensões continentais e com  milhares  de  quilômetros  de  estradas  ( ferrovias  e  rodovias ),  com  seus  taludes,  encostas,  e  áreas  erodidas,  sem  contar  sua  aplicação  em  outros  setores  ( arquitetura, construção civil, mineração, agropecuária, etc. )?

Eng. Paulo Rogério: Sim,  hoje  já  temos  empresas  e  profissionais  atuando  com  o  Sistema  Vetiver,  inclusive  o  curso  ministrado  pelo  Dr.  Paul  Truong  teve  interesse  de  estudantes  e  profissionais  de  várias  regiões  do  Brasil.

Poenarco:  Um  dos  objetivos  do  nosso  Portal  é  a  disseminação  de  conhecimentos  técnicos,  e  com  esta  sua  colaboração  acreditamos  estar  contribuindo  para  tal  finalidade,  quando  agradecemos  sobremaneira  pela  oportunidade  de  suas  explanações.

Colabore  com  o  Autor  e  o  Portal  Poenarco  deixando  seu  comentário,  pergunta,  dúvida,  elogio,  etc.  no  formulário  abaixo,  assim  ajudando-nos  a  oferecer  informações  técnicas  de  qualidade.

5 comentários

  1. Uma opção valiosa a favor do meio ambiente, além da aparente eficácia e redução de custo.

  2. Deve ser muito bom como preventivo em rodovias e ferrovias em trechos de serra, como preventivo de deslizamentos nas encostas.

  3. Concordo com a afirmação do colega Antônio, porém convenhamos, é um sistema muito interessante e apropriado para empresa que queira reduzir custo efetivamente, logicamente salvaguardando aquilo que o caso possa requerer.

  4. Já ouvi falar desse sistema, porém parece que no Brasil sua aplicação será restrita, apesar da eficácia e custo reduzido. Por certo não será bem visto por empresas e profissionais interessados nos outros sistemas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *