Adaptação José Luiz Mendes Gomes
O Céu já estava com superlotação, estava parecendo os presídios brasileiros, já estava começando a gerar disputas por espaços, tudo congestionado. Tentaram um paliativo, cortar as asinhas dos anjos mais ousados, mas não adiantou. A imigração para o paraíso celeste nunca esteve tão em alta. Então, Deus decidiu modificar as normas para ingresso nos portões celestiais. A nova lei consistia no seguinte: Para ser admitido no Céu, o dia da sua morte precisaria ter sido realmente terrível. A lei entraria em vigor imediatamente.
No dia seguinte já com a nova lei em vigor, bate nos portões do Céu a primeira pessoa. O Anjo de plantão, assistente de Pedro, o síndico, com a nova lei afixada no quadro de avisos, prontamente pergunta ao homem:
_ Antes de você entrar, eu preciso que me descreva detalhadamente como foi o dia em que você morreu!
_ Sem problemas – disse o homem – Há algum tempo eu vinha desconfiando que minha mulher estava tendo um caso. Eu acreditava que todos os dias na hora do almoço ela trazia o amante para o nosso apartamento que ficava no 25º andar de um prédio e fazia sexo com ele. Então ontem eu estava indo pra casa pra dar uma incerta… Bem, cheguei lá e entrei rapidamente, começando a procurar o tal Ricardão. Minha esposa estava seminua e gritando comigo enquanto eu dava uma busca por todo o apê. Mas não conseguia encontrá-lo de jeito nenhum. Quando eu estava quase desistindo, olhei para a sacada do apartamento e vi quatro dedos de cada mão agarrados na ponta da laje da sacada. Olhei e vi o cretino. Ele achava que poderia se esconder de mim ficando dependurado. Então eu peguei o pau de macarrão e bati nos seus dedos até que ele se soltou e caiu lá de cima. Mas você não pode imaginar sua sorte, pois ele caiu em alguns galhos de uma árvore que amorteceram sua queda e ele não morreu, ficou lá se contorcendo, sem conseguir se levantar. Num acesso de raiva eu entrei no apê e peguei a coisa mais pesada que tivesse pra jogar em cima dele. Desliguei a geladeira da tomada e furioso por ele ter me colocado chifres, atirei lá do 25º andar bem em cima dele, que se estrebuchou todo. A emoção do momento foi tão grande que em seguida tive um ataque cardíaco e morri praticamente instantaneamente.
O Anjo plantonista sentou e pensou por instantes. Técnicamente, o rapaz havia tido realmente um péssimo dia e o crime dele foi passional. Então o Anjo disse:
_ Ok, senhor! Bem vindo ao Reino dos Céus. – e deixou-o entrar.
Poucos segundos depois, chega o próximo da fila. O Anjo repete o que reza a nova lei:
_ Ok, eis as regras: Antes de deixá-lo entrar, preciso que me relate detalhadamente sobre o dia de sua morte.
_ Claro – respondeu o homem – Eu estava na sacada do meu apartamento no 26º andar fazendo meus exercícios diários quando escorreguei e caí pela sacada! Por sorte, no entanto, eu fui capaz de me segurar na sacada exatamente abaixo da minha. Qual não foi minha surpresa, quando apareceu um maluco e ficou descendo cacetada nos meu dedos com um pau de macarrão até que eu soltasse e obviamente despencasse lá de cima. Eu caí em cima de algumas árvores que amorteceram minha queda, de modo que não morri de imediato. Quando eu estava lá, de rosto para cima, incapaz de me mover e gemendo de dor eu vi o homem empurrar uma geladeira pela sacada e ela caiu exatamente em cima de mim e me matou instantaneamente. E aqui estou…
O Anjo, quieto e rindo pra si mesmo enquanto o homem terminava sua história, pensou e disse:
_ Muito bem! Bem vindo ao Reino dos Céus! – e deixou o homem entrar.
O Anjo manda apresentar-se o próximo da fila:
_ O Fiscal da fila me falou que você era engenheiro. Você morreu em alguma obra? Falta de segurança? Isso tem sido normal, convenhamos. Bem, preciso que você me conte em detalhes como morreu, para poder ter acesso aqui…
_ Tá legal, mas você não vai acreditar… Eu estava pelado dentro de uma geladeira…