….( Série Histórias e Lendas )…. A AMAZÔNIA QUE EU VIVI

Engº  Paulo  Zenóbio  Silva  Miorim
Durante os anos de 1982, 1983, 1984 e 1985 tive o privilégio de morar em Cuiabá. Para quem gosta de se acomodar, seria uma experiência não muito confortável. Cuiabá é a capital mais quente do Brasil. Para mim, insaciável por novas experiências, foi uma oportunidade de ouro para “degustar” uma parte de nosso país para mim até então desconhecida. Pelo tamanho e complexidade de uma região objeto das mais variadas opiniões, quatro anos foram pouco para afirmar que conheci a Amazônia brasileira. Quando ouço as análises de “especialistas” discursarem com ares de grande conhecedores sobre esse verdadeiro outro Brasil, lembro da famosa parábola “Os cegos e o elefante” (ver abaixo). Nós vivemos na menor parte do Brasil, pois a Amazônia brasileira ocupa cinco milhões e setecentos mil de quilômetros quadrados, o que representa setenta por cento dos oito milhões e quinhentos mil quilômetros quadrados do nosso país. Se o Brasil fosse uma casa de cem metros quadrados, nós moraríamos numa edícula cheia de cômodos com de trinta metros quadrados e o casa principal seria a Amazônia, com setenta metros quadrados. Como trabalhei em quatro micros regiões, tive uma razoável amostragem da região amazônica do estado do Mato Grosso. Uma das minhas obras, a PCH Juína, um aproveitamento do rio Aripuanã, situa-se a noroeste de Mato grosso, UHE Salto do Apiacás a norte, sob o encontro dos Rios Juruena e Teles Pires, a PCH Braço Norte a nordeste do Mato Grosso e a PCH Primavera, no sul do estado.  Quatro locais, quatro regiões diferentes, que convivi todas as semanas, pois embarcava em um pequeno avião Cesnna 182, monomotor de asa alta, e voava de segunda até sexta feira visitando e supervisionando as obras. Pude vivenciar e presenciar inúmeras experiências e conhecer pessoas inesquecíveis. O ano, na região, possui várias épocas. Normalmente as derrubadas, corte da mata nativa para implantar agricultura ou pecuária ocorre de março a julho. Após, começam as queimadas da mata cortada, alvo de tantas críticas, que ocorrem anualmente de junho a setembro. É um período que dificulta a navegação aérea, e muitas vezes fomos obrigados a pousar em campos de pouso de uma fazenda para aguardar a fumaça permitir o vôo. A logística de abastecer as obras era complexa. Cuiabá era uma capital que não possuía os recursos normalmente encontrados nos grandes centros e muitos insumos necessitavam serem importados de outros estados, às vezes longínquos. O primeiro contrato teve como objeto a construção da Vila dos Operadores da Usina Hidrelétrica Salto Apiacás.
Como referência de localização, o aproveitamento era em uma cachoeira do Rio Apiacás situada ao norte do Estado. A linha de divisa norte do Mato Grosso com os estados de Amazonas e Pará é uma reta que tem em seu meio uma forma de triangulo, formado pelos rios Juruena à esquerda e Teles Pires (ou São Manoel) à direita. No vértice superior sai a linha de divisa Amazonas e Pará, que é o rio Tapajós. A UHE Salto Apiacás situa-se abaixo desse triângulo, em plena floresta.
A primeira visita ao local onde seria implantada a obra foi marcante para mim. Saímos de Cuiabá no monomotor, eu e o piloto Guimarães. Guimarães era um senhor de 65 anos, prestes a se aposentar após trinta anos pilotando pela Amazônia. Sobrevoar a Amazônia causa uma sensação incrível. Como se estivéssemos flutuando sobre um enorme tapete, a paisagem é constante, só variando a tonalidade de verde. Esporadicamente, uma ou outra mancha marrom, onde a floresta dá lugar a uma clareira ou campo agrícola. Aparecem linhas marrons que são as estradas de terra, e linhas de vegetação mais baixa que somem no horizonte, são os “picadões”. Picadão é a maneira de delimitar as divisas de grandes áreas terra, muito utilizada na Amazônia. Nada mais é que uma faixa de dez metros de largura na qual foi cortada a vegetação alta e que segue a linha de limite entre duas propriedades. Vistos de cima, os picadões são uma linha marcando a floresta. Na prática, o picadão serve também de advertência para que não ocorra invasão em terra alheia sob risco de morte. Periodicamente, os donos de terra contratam pistoleiros para “correr o picadão”, e então todos as divisas de terras são examinadas e, se houver ocupação da terra elimina-se o invasor. Essa era a “lei”. Guimarães conhecia todos os detalhes da região e foi apontando cada ponto notável, sabia nome dos fazendeiros donos de cada propriedade. Após quatro horas de vôo, pousamos em Alta Floresta para reabastecer o avião. Salto Apiacás dista cento e quarenta quilômetros a norte de Alta Floresta. Após um café, decolamos para chegar à obra. A pista de pouso da obra nada mais era que um trecho alargado da estrada J2, a seis quilômetros da obra. Após um sobrevôo no local da obra, com a finalidade de avisar que o pessoal da primeira barraca devia nos apanhar, pousamos na estrada, e pude, pela primeira vez, observar a tão famosa Floresta Amazônica. Lembro que, como que hipnotizado, o porte das árvores chamou minha atenção. Muito altas, fiquei parado olhando aquelas maravilhas da natureza, extasiado. Um mundo diferente de tudo que eu havia visto até então ( tinha 36 anos). O Luis Roberto Menin, engenheiro residente na obra, foi me apanhar em uma camionete e fomos conversando sobre os trabalhos que seriam executados. O acampamento era realmente provisório. Depois aprendi que o início de obras na mata necessita de uma meia dúzia de apetrechos: uma chapa de aço para colocar em cima de umas pedras e o fogão está pronto, uma lona preta amarrada em três ou quatro varas fincadas no solo como cobertura, umas camas de campanha ou duas ou três redes para dormir, feijão, arroz, carne seca, latas de goiabada, temperos, muita cebola e tomate para salada, equipamento de topografia, um caminhão, uma perua tipo Kombi. É preciso se instalar próximo a um córrego ou rio de água limpa ( isso é fácil na Amazônia), manter uma fogueira acesa à noite inteira para evitar visitas noturnas de onças, dormir com todo o corpo envolto em cobertas porque dizem que a onça não reconhece onde é a cabeça e não ataca, andar de botas para evitar mordidas de cobra, passar repelente de insetos, em caso de abelhas ou marimbondos assentar no corpo nunca esmagá-los com a mão, apenas abanar para afastar o bicho. Na região do Salto Apiacás era enorme a incidência do mosquito Anopheles ou anofelino, cuja fêmea transmite o protozoário causador da malária em seres humanos. Esse fato causaria uma das muitas dificuldades que enfrentaríamos na implantação da obra. A malária não se transmite entre duas pessoas, apenas através do mosquito. O mosquito da malária é muito pequeno, todo preto e pousa em pé, ficando quase na vertical, Logo no primeiro dia vi diversos desse temido inseto e adotei o hábito de viver besuntado com Autan (repelente).  Aconselhado por conhecedores da região, passei a comer quatro ou cinco dentes de alho nas refeições, cujo cheiro afasta o mosquito. Eu suava alho líquido e nos quatro anos que passei na região não contrai malária, não sei se graças ao alho. Só o aroma que não era dos melhores. Quase todas as pessoas envolvidas nas obras foram contaminadas ao longo dos trabalhos. Fomos até o local onde seria a futura UHE Salto Apiacás, em uma corredeira seguida de uma bela cachoeira. Assim que chegamos à margem, um homem embarcou em um pequeno barco a remo no outra margem e fez sinal para que o aguardássemos. Após uns minutos remando, o camarada, um típico trabalhador de derrubada, veio em nossa direção e conversou conosco. Disse que fazia quarenta dias que ele não via um ser humano e atravessou o rio só para falar com outras pessoas. Conversamos uns dez minutos com o sujeito, que montou no seu barco e retornou à outra margem. Coisas do Mato Grosso. Após três dias acompanhando os trabalhos e planejando junto com o Luís Roberto os próximos passos da obra, o “comandante” Guimarães veio me buscar em seu monomotor. Eu Havia chagado à Floresta Amazônica.
 
OS SETE SÁBIOS CEGOS E O ELEFANTE.
 
Um indiano sábio e cego após discutir com outros seis, também sábios e também cegos, irritou-se com seus pares e retirou-se para uma caverna. Dia seguinte um comerciante com um elefante chegou à cidade. Os seis sábios, tomados de grande curiosidade, foram conhecer aquela animal que tanto haviam ouvido falar, mas não conheciam.   O comerciante levou os cegos até o elefante para que o apalpassem.
O primeiro sábio apalpou a barriga do animal e declarou: Trata-se de um ser gigantesco e muito forte! Posso tocar os seus músculos e eles não se movem; parecem paredes. Que bobagem! – disse o segundo sábio, tocando na presa do elefante – Este animal é pontudo como uma lança, uma arma de guerra. Ambos se enganam – retrucou o terceiro sábio, que apertava a tromba do elefante – Este animal é idêntico a uma serpente! Mas não morde, porque não tem dentes na boca. É uma cobra mansa e macia. Vocês estão totalmente alucinados! – gritou o quinto sábio, que mexia as orelhas do elefante – Este animal não se parece com nenhum outro. Seus movimentos são ondeantes, como se seu corpo fosse uma enorme cortina ambulante. Vejam só! Todos vocês, mas todos mesmos estão completamente errados! – irritou-se o sexto sábio, tocando a pequena cauda do elefante – Este animal é como uma rocha com uma cordinha presa no corpo. Posso até me pendurar nele!
E assim ficaram horas debatendo, aos gritos, os seis sábios. Até que o sétimo sábio cego, o que agora habitava a montanha, apareceu conduzido por uma criança. Ouvindo a discussão, pediu ao menino que desenhasse no chão a figura do elefante. Quando tateou os contornos do desenho, percebeu que todos os sábios estavam certos e enganados ao mesmo tempo. Agradeceu ao menino e afirmou: – Assim os homens se comportam diante da verdade. Pegam apenas uma parte, pensam que é o todo, e continuam tolos!
(História do folclore Hindu)

1 comentário

  1. Interessante esse relato, nós trecheiros da antiga, hoje quero crer que a maioria já aposentada, precisamos de ler esses relatos sobre um tempo de ouro da construção.

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