…( Série Histórias e Lendas ) … ENGENHARIA EM EXCESSO

  Adaptação José Luiz Mendes Gomes 

O engenheiro chega em casa depois de um fechamento de medição estressante na empresa, mal entra na sala, o filho já o escala para contar uma estorinha para ele dormir. Ainda tenta se livrar da tarefa, pedindo pra aguardar ele tomar um banho, mas o garoto não concorda e ameaça abrir o berreiro. Lá se vai minha chance de enquanto eu tomava banho o garoto acabava caindo no sono – pensou. Entregou os pontos. Resolveu contar para o filho a estória dos 3 Porquinhos. Já que o descanso antes de dormir tinha ido pro espaço, resolveu incrementar no enredo seus conhecimentos de engenharia, e começou a narrar:
_ Filho, era uma vez três porquinhos, que identificaremos por P1, P2 e P3 e um lobo mau, por definição, LM, que não se cansava de atormentar os pequeninos suínos. P1 era inteligente, esperto, já era formado em Engenharia Civil e, não satisfeito, estava cursando a segunda faculdade, estava fazendo Engenharia Elétrica. E terminando essa, ainda queria cursar Engenharia Ambiental…
O engenheiro vendo o interesse do filho aproveitou:
_ Viu, filhote? Tem que ser igual o porquinho P1, estudar sempre…
O filho perguntou, curioso:
_ Mas, pai, existe porco engenheiro?
_ Claro que existe, você não está vendo na estória?
_ Sim, mas pai, e engenheiro porco, existe?
O pai se viu numa enrascada, pensou – criança faz cada pergunta – mas não podia deixar sem resposta, e mandou:
_ Sim filho, mas isso é outra estória, vamos continuar com a nossa…
O pai resolveu então não dar mais chance de deixar brechas para o filho fazer perguntas, do contrario iriam invadir a madrugada e no dia seguinte ia ser difícil encarar o batente… Continuou…
_ Bem, filho, já falamos sobre P1, certo? Então. P2 era formado em Arquitetura e Urbanismo e atualmente vinha se especializando em desenvolvimento sustentável e o restante de seu tempo vivia em fúteis devaneios desprovidos de cálculos rigorosos. Já P3 vinha cursando Comunicação e Expressão Visual. Pretendia atuar como marqueteiro de políticos, atividade muito bem remunerada na atualidade, por sinal.
LM, na Escala Oficial para Medição da Maldade (EOMM), da ABNT era Mau nível 8,75 ( arredondando da 3ª casa decimal para cima ). LM também era um mega investidor imobiliário sem escrúpulos e cobiçava as propriedades que pertenciam aos Pn ( onde “n” é um número natural que varia entre 1 e 3 ), visto que o terreno dos imóveis era de boa conformidade geológica e configuração topográfica, e o que era melhor, localizado próxima a uma Granja.
Entretanto, nesse promissor perímetro, P1 construiu uma casa de alvenaria, bem projetada, não economizou nas fundações, não queria ter problemas com recalques diferenciais, resolveu por estaqueamento, depois de um sofisticado ensaio geotécnico, o deep sounding eletrônico, ou “Cone Penetration Test”, uma tecnologia holandesa em sondagem do solo. Optou pela alvenaria armada, prevendo uma melhor resistência, utilizou-se somente de concreto usinado, com o respectivo controle tecnológico e concluiu o projeto com um sistema automatizado de segurança.
Já P2 construiu uma edificação de blocos articulados feitos de mogno, que mais parecia um castelo lego tresloucado. Coisa de arquiteto, filho.
Por outro lado, P3 projetou no Auto-cad e montou ele mesmo, com barbantes e isopor como materiais básicos, uma cabana de palha com teto solar, e achava e alardeava que sua casa era “o máximo”.
Um dia, LM foi até a propriedade dos suínos e disse, encontrando P3:
Uahahahahahahah, corra, P3, porque vou gritar e vou gritar e chamar o Conselho de Engenharia e Arquitetura e te denunciar por exercício ilegal da profissão, você não é engenheiro nem arquiteto, você é formado em Comunicação e Expressão Visual!!!
P3 ficou apavorado, saiu correndo para sua adorada cabana, mas quando lá chegou os fiscais do Conselho já haviam demolido tudo. LM já havia se adiantado na denúncia.
P3 ficou mais desesperado ainda e correu pra casa de P2, mas quando lá chegou, encontrou LM dando fortes murros na porta de entrada e gritando:
“Abra essa porta, P2… ou vou gritar, gritar, gritar e gritar e chamar o Greenpeace para denunciar você, por ter utilizado na construção madeira nobre de áreas não reflorestadas e areia de praia para misturar no cimento”

P2 não teve tempo nem de pensar em sua defesa, pois de repente a porta foi derrubada por uma multidão de ecos-chatos ensandecidos, que invadiram a casa, vandalizaram tudo e ocuparam os destroços, pichando muros e entoando palavras de ordem. Mais uma vez, LM justificou seu Nível 8,75 de malvadeza, na escala da ABNT, pois já havia alcagüetado P2 para os defensores do meio ambiente, como já havia feito com P3.

P3 e P2 não pensaram duas vezes, saíram em desabalada carreira para a casa de P1, onde após serem recebidos, entram e caem ofegantes na sala de estar. P1, sem entender nada pergunta-lhes:
“Que houve, manos?”
P2 se recupera do cansaço e responde:
“LM, lobo mau por definição, nível 8,75, provocou a destruição de nossas casas e desapropriou os terrenos”
P3, também recuperado do cansaço, ajuda no relato dos fatos:
“Não temos para onde ir. Agora somos Sem Teto. E agora, que farei? Sou apenas um formando em Comunicação e Expressão Visual”
P1, P2 e P3 ainda dialogavam, ante o inusitado do ocorrido, quando ouvem a campainha tocar intermitentemente. Era LM, gritando a plenos pulmões:
“P1, abra essa porta e assine esse contrato de transferência de posse do seu imóvel, ou eu vou gritar, e gritar, e gritar e chamar os fiscais do Crea em cima de você!!! Se for preciso chamo até aquele tal de Confea…”
Como P1 resistia em abrir, aparentemente fundamentado em suas razões, apesar do pedido do arquiteto (P2) e do… do… comunicador e expressivo visual (P3), LM chamou os fiscais, que vieram com tudo:
Realizaram testes de robustez do projeto

Inspecionaram instalações ( elétrica, hidráulica e sanitárias )

Averiguaram projeções geomorfológicas

Realizaram exames de agentes físicos-estressores

Elaboraram cálculos com muitas integrais, matrizes, geometria analítica avançada…

…e não encontraram nada de errado, nenhuma Não Conformidade.LM não se conformou. Contra atacou convocando o Greenpeace, que dessa vez não armou nenhum barraco, pois todo o projeto e implementação da casa de P1 era ecologicamente correto.
Cansado e esbaforido, o vilão lupino resolveu agir de forma irracional ( porém super-comum nos contos de fadas ): ele pessoalmente escalou a casa de P1 pela parede, subiu até a chaminé e resolveu entrar por esta, para invadir a privacidade dos suínos.

Mas, eis que quando ele pulou chaminé adentro, um dispositivo mecatrônico projetado e instalado por P1 captou sua presença por um sensor térmico e ativou uma catapulta que impulsionou com uma força de 33.300 N (Newtons) o corpo de LM para cima.
Este subiu aos céus, numa trajetória parabólica estreita, alcançando o ápice, onde sua velocidade chegou a zero, a 200 metros do chão.
Agora, meu filho, antes que você pegue num repousar gostoso e o papai te cubra com este edredon macio e quentinho, admitindo que a gravidade vale 9,8m/s² e que um lobo adulto médio pese 60kg, calcule:
a) O deslocamento no eixo “x”, tomando como referencial a chaminé;
b) A velocidade de queda de LM quando este tocou o chão;
c) O susto que o Lobo Mau tomou, num gráfico lógico que varia de 0 (repouso) ao 9 (ataque histérico).

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