( Série Histórias e Lendas ) OENGENHEIRO E O ASPONE

 

(  Téc.  José  Luiz  Mendes  Gomes  )
 
O engenheiro e sua mulher conversavam na sala sobre uma visita que iriam receber, um assessor que colocaram pra trabalhar com ele na empresa, na verdade, um Aspone.  Era afilhado do vice-presidente, então, já viu. Conversavam distraidamente enquanto o filho queimava os neurônios brincando com um brinquedo tipo daqueles monta-monta, obviamente, presente do pai, engenheiro.  Era a única maneira de ficar um pouco em paz, aquele menino parecia que tinha um arsenal de perguntas. E que perguntas. Mas ao mesmo tempo, detestava certas perguntas. Uma vez , a Dra. Adelaide, sua pediatra, ao término da consulta, perguntou-lhe:
_ E o garotinho lindo, já escolheu o que quer ser quando crescer?
Olhou pra  Dra. com a sobrancelha esquerda franzida, em pensamento lhe afirmando que não queria ser nada, que nem crescer queria. Não imaginava-se como os adultos, uns  chatos que não brincavam como as crianças…  Dra. Adelaide insistiu:
_ E então? Pensou no que quer ser quando crescer?
_ Não quero ser nada.
_ Como assim, não vai ser nada?
_ Não
_ De jeito nenhum, você tem que ser alguma coisa.
_ E  o que é alguma coisa?
_ Todos  são  alguma  coisa  quando  crescem…  Uns  são  engenheiros,  como  seu  pai,  outros  médicos,  outros  motoristas,  outros  policiais… 
_ Eu  não  sou  todos,  não  vou  ser  nada,  não  enche…
Empacou e resolveu não abrir mais a boca.  A  mãe  ainda  lhe  tascou  um  beliscão  disfarçado,  reprimindo  com  ameaças  de  deixar-lhe  de  castigo  caso  faltasse  com  o  respeito  à  Dra.  Adelaide.  Não  adiantou,  a  mãe  disfarçou  e  resolveu  desviar  a  conversa,  no  fundo  sabia  que  se  insistisse,  poderia  advir  algo  pior,  como  certa  vez  que  ele  dera  um  bico  na  canela  de  Dona  Matosinhos,  a  professora.
Enfim, era assim.  E enquanto tentava adequar o jogo de quebra-cabeça, invariavelmente olhava para os pais, com certeza captando o enredo da conversa.  E  não  perdeu  aquele  trecho  da  conversa,  onde o  pai  falava  do  companheiro  de  serviço:
_ Ele é um Aspone, querida.
_ Aspone?  O que é um Aspone?
_ Ah, Aspone é um cara que aparece na empresa não se sabe de onde, aparece quando menos se espera, muitas vezes o quadro até está completo mas, para um Aspone nunca está.
_ Mas o que o Aspone faz? Qual a função dele?
_ O Aspone sempre é o assessor de alguém, mas normalmente não assessora ninguém, entende?
_ Não, não entendo, querido. É pra assessorar e não assessora?
_ Sim, o Aspone normalmente não faz porcaria nenhuma, daí porque é cognominado de Aspone, que vem a ser Assessor  de  Porcaria  Nenhuma, tá entendendo agora?
_ Mais ou menos. Mas ele fica lá sentado sem fazer nada?
_ Depende.  Tem Aspone que tem mais regalia que outro. Isso depende de quem coloca ele lá, não sei se você me entende. Tem Aspone que comparece no serviço até diariamente, apesar de não fazer porcaria nenhuma, já existem Aspones que tem regalia para chegar e sair a hora que quiser e mais, tem Aspone que nem no serviço precisa ir, recebe o pagamento do fim do mês ficando a disposição em casa…
_ À disposição para que?
_ Para nada, essa é a função deles, não entendeu ainda?
_ Complicado isso…
_ Pra você ver.  Tem Aspone, que além, de ser Aspone ainda é um Mala.  Passa o dia todo contando piada, atrapalhando quem está trabalhando, outros ficam brincando, pegam aqueles elásticos, colocam entre dois dedos em forma de V e ficam atirando bolinhas de papel na gente. Um saco. Eu trabalhei com um Aspone que era pior. Ele mascava o papel, fazia a bolinha e mandava em cima dos incautos. Vinha aquela bolinha de papel babada.
_ Eca!!!
_ Teve um que uma vez quase matou uma secretária..
_ Que?
_ É ! Já viu aquelas cobras de borracha que vendem no camelô?  Que parecem de verdade? Então, o Aspone chegou na sala dela, quando ela levantou pra atender, da porta mesmo ele lançou a cobra. Quando ele lançou, ela se abriu  toda…
_ Quem, a secretária?
_ Não, querida, a cobra, no ar ela se abriu, por uma dedução lógica de saída do seu estado de inércia, saiu girando em 360 graus e quando tocou no pescoço dela, ela se fechou novamente em volta do pescoço. Foi um berreiro só. 
_  Nossa. Até eu gritaria…
_  Pra você ver… 
_  Ele foi demitido?
_  Quem, o Aspone? Que nada, querida, demitiram a secretária por ter feito escândalo no momento em que acontecia uma reunião de diretoria, não quiseram saber.
E o menino de antena ligada, com um olho no monta-monta e outro nos pais… Os pais perceberam, astutamente, disfarçaram e pararam a conversa sobre Aspones. A mãe foi para a cozinha, preparar o jantar. O pai, sentou ao lado do filho, vendo o jogo já praticamente montado. Resolveu elogiar o menino, antes que ele começasse com perguntas intermináveis, mas acabou o tiro saindo pela culatra quando pronunciou o elogio:
_ Filho, que legal. Você montou o jogo. Não nega que é filho de engenheiro. É isso que você quer ser quando crescer, filho?
Foi fatal. Tocou no ponto fraco do garoto. A resposta veio fulminante.
_ Não quero ser engenheiro, não quero, não quero…
_ Mas, filho, o que você quer ser então? Médico?
_ Não
_ Dentista?
_ Não
_ Advogado?
_ Não…  Não quero ser nada, pai.
_ Mas não pode, filho, tem que ser alguma coisa, não ficar parado, evoluir, andar pra frente…
_  E se eu não quiser andar pra frente, só andar pra trás?
_ Não pode, filho…
_ Porque não pode? Quem falou?
O pai já estava perdendo a paciência, mas se controlava.
_ Filho, você vê eu?  Todo dia vou pro meu trabalho? Vê sua mãe, como ela trabalha duro aqui em casa pra lavar sua roupa, preparar sua refeição?
_ Vejo, eu vejo, mas só vejo, não quero ser nada.
O pai perdeu a paciência, e deixou escapar o que não queria.
_ Sua mãe tem razão quando me fala que acha que você é meio louco.
_ Porque meio louco, não quero, quero ser louco inteiro.
_ Você tá parecendo meu colega de trabalho – falou ao mesmo tempo que seu subconsciente remeteu-o à imagem do colega que nada fazia no serviço.
_ Quem, o Aspone?
O pai ficou surpreso. O danadinho tinha captado a conversa como ele e a mulher tinham percebido. Resolveu acabar com aquele  diálogo que ele já percebia que não teria fim. Resolveu assumir…
_ É sim, o Aspone, porque?  Ele no fundo parece com o que você pensa. Fica lá na empresa, não faz nada, anda pra lá e pra cá, chega tarde, sai cedo, fica inventando brincadeiras…
_  É isso – disse o garoto.
_ Isso o que – disse o pai surpreso
_ É isso. Já que vocês insistem que eu seja alguma coisa, quero ser um Aspone…

 

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